Martha
Medeiros
Wesley Ramos é um
menino de 11 anos que mora nos arredores de Sorocaba, SP, e que foi
homenageado semana passada pela prefeitura da sua cidade por ter
devolvido uma bolsa à dona e tudo o que nela havia, documentos e
dinheiro inclusive. Foram concedidas honrarias públicas para o
menino honesto.
A cada vez que isso
é destacado no jornal, me sinto uma extraterrestre. Viver num país
onde os atos que deveriam ser corriqueiros viram manchete é um
sintoma da nossa deterioração moral. No jornalismo, existe uma
máxima que diz que notícia não é um cachorro morder uma pessoa, e
sim uma pessoa morder um cachorro. Wesley, que devolveu o que não
era seu, mordeu um cachorro.
O comum tornou-se
incomum porque nos habituamos a tomar atitudes desconectadas da ordem
social. Na hora de bravatear, somos todos imaculados, os reis do
gogó, que salivam de prazer ao apontar as falhas dos outros, mas, na
hora de seguir a lei dos homens, refutamos a coletividade e tratamos
de seguir nossa própria lei. E a lei de cada um é a lei de ninguém.
A estrada, o lugar
mais superpovoado do verão, oferece um demonstrativo desse "cada
um por si" que leva a catástrofes. A faixa amarela contínua
serve para os outros, não para o super-herói do volante que enxerga
mais longe e melhor do que os engenheiros de trânsito. Quantas doses
de álcool se pode beber antes de dirigir? Para a lei geral
estabelecida, nenhuma. Para a lei de cada um, o limite é decisão
pessoal.
Choramos pelos
mortos que ficam soterrados nas encostas por causa da chuva, mas
dai-nos um terreninho em cima do morro e com vista pro mar, Senhor, e
daremos um jeito de conseguir um alvará irregular.
A corrupção é
generalizada. Na hora de espinafrar os Arrudas que surgem na tevê,
somos todos anjos, mas quando surge uma oportunidade de facilitar o
nosso lado, de encurtar caminhos, mesmo agindo incorretamente, não
existe lei, não existe ética, existe apenas uma oportunidade que
não se pode desperdiçar, coisa pequena, que mal há?
Honestidade e ética
dependem unicamente do ponto de vista do cidadão: quando ele enxerga
o outro fazendo mal, condena. Quando é ele que age mal, o mal deixa
de existir, é apenas uma contingência. Essa miopia se corrige como?
Ninguém está imune
a erros, mas seria um alívio se nossos erros se mantivessem na
esfera particular. Quando agimos como cidadãos responsáveis pelo
bem público, o erro de caso pensado deveria ser um crime. Aliás, é
crime. Mas somos hipócritas demais e há muito que invertemos os
princípios básicos da cidadania. Wesley foi homenageado por não
ser mais um a inventar a sua própria lei, e sim por ainda acreditar
na lei de todos.
Fonte:
Jornal "Zero Hora" nº. 16214, 13/1/2010.
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